Sobre engajamento no passeio com cães

Na minha rotina como dog walker, o tempo todo me deparo com pessoas com seus cães na rua, e muitas vezes estas pessoas me pedem para interagir com meus cães, ou se aproximar com seus próprios, e eu nego. Muitos ficam ofendidos, e hoje resolvi esclarecer melhor o porquê de eu não permitir geralmente a aproximação de ninguém.



 Primeiramente, as pessoas perderam a noção de espaço pessoal. Todos se aproximam com atitude que chamamos de invasiva, sem cuidados, colocando a mão nos cães, falando alto, muito rápido. E se já deixa a nós (pessoas) desconfortáveis, imagina os cães, cuja noção de espaço íntimo é muito mais delicada que a nossa. Para nós, 3 metros de distancia não é nada; para eles, já está ficando perto demais.
Em segundo lugar, meu cão não tem que fazer amigos. Este é um dos maiores mitos da socialização hoje em dia, e fruto da humanização crescente dos dogs. Cães não fazem amizade, desculpe decepcionar você . Sim, eles criam laços afetivos, mas dentro de seu grupo cotidiano, com indivíduos presentes todos os dias (em casa e as vezes em day cares). Com um cão estranho na rua, não. Eles podem, até, interagir (e notem que eu digo interagir, pois cães adultos não brincam - eles interagem para definir hierarquia, disputar força, limites e treinar seus reflexos cognitivos). Claro, uma boa interação gera sim satisfação, prazer, mas não necessariamente diversão. Tudo que seu cão faz tem um objetivo: eles nunca estarão apenas "brincando", podem acreditar. Eles estão constantemente se testando, se medindo, estabelecendo limites.
 "Mas, Bia, eu não preciso socializar meu cachorro?". Sim. Mas vamos parar para refletir o que é socializar por um momento? Se você está no meio de uma festa, sozinho, tomando uma bebida, você está socializando. Você não necessariamente precisa estar conversando ou em contato físico com outra pessoa para isso. Festas, shoppings, praças e parques, são lugares onde socializamos mas não necessariamente interagimos com os indivíduos ao nosso redor.  Muitas vezes é muito mais prazeroso, inclusive, não interagir: por exemplo, quando você está no ônibus e aquela senhora interrompe sua música no fone para falar da cirurgia que fará em breve, ou quando um homem aborda uma mulher na balada que obviamente não está interessada. São exemplos de situações invasivas. Invadiram o seu espaço, e não há benefícios tirados destas ocorrências. Nós, humanos, nos comunicamos com a fala, pedimos licença, chamamos atenção; os cães, usam a boca.
 Socializar está mais para existir em um espaço social em harmonia. É muito mais produtivo você levar o seu cão a uma praça e se sentar no canto com ele, apenas observando o movimento, do que deixar outras pessoas e cães se aproximarem. Seu peludo sente o cheiro de outros cães a metros de distância,  você não precisa aproximá-los para isso.
 Outro ponto importante: a caminhada é a melhor atividade para você criar vínculo com seu dog. É ali que você vai mostrar para ele que você é capaz de interceder por ele, de protegê-lo, de garantir o conforto do seu grupo. Mas isso não acontece quando você permite que qualquer pessoa se aproxime e toque seu cachorro. E são nestas situações que seu cão perderá a confiança em você, e começará a tomar suas próprias decisões, e se defender. Nasce então a reatividade na guia, que evolui para a reatividade no portão, e depois você não poderá receber visitas em casa pois seu cão avança nelas. Isso nasce da SUA inabilidade de mostrar ao seu cachorro que está tudo bem e você tem o controle da situação.
 E por último mas não menos importante: energia. Nós caminhamos com nossos cachorros para gastar energia física e produzir uma boa energia mental, mas nem todos os animais e pessoas terão uma energia bacana, e os dogs são muito sensíveis a isso. Para que estressar seu peludo ao invés de oferecer uma atividade feita para suar e produzir endorfina?


 Como exemplo, tenho uma dupla de cães que estou trabalhando a socialização. Já faz um ano que estamos trabalhando, e apenas nos últimos 2 meses passamos a frequentar espaços pets. Com guia, responsabilidade e cuidado. Na maioria das vezes, meus cães ficam apenas na guia ao meu lado. Quando vejo que a energia dos cães esta boa, todos controlados, os solto - com a guia no pescoço - e fico observando de perto. Certo dia, chegou um Golden, e como de costume, peguei minha dupla na guia, conversei com o tutor, perguntei sobre o cão e observei. Andei ao redor um tempo, era um cão muito tranquilo, então deixei meus cães interagirem. Um deles, york, é inseguro, e mesmo assim ficou tranquilo; a srd, muito agitada, aceitou bem, e os dois interagiram, correram, "esconde-esconde", por um bom tempo, e todos se sentaram um ao lado do outro quando cansaram. Eis que uma 3° pessoa chega, com um vira lata pequeno. O cão já chegou choramingando, puxando a guia, ansioso, nervoso. Peguei os meus e me afastei, a mulher soltou e não deu outra: os cães rosnaram. De repente até o Golden que é muito tranquilo estava agitado. Vêem como este lance de energia conta?
Pedi a moça que pegasse seu cão e não deixasse o cão se aproximar dos nossos, e tudo ficou bem, não houveram brigas. Mas se é um tutor sem conhecimento, deixaria os cães "se conhecerem e se resolverem", e nesta um acidente aconteceria.
 Advoguem pelos cães de vocês. Intercedam por eles, mostrem que vocês tem o controle da situação e eles estão a salvo na sua presença, sem precisarem tomar iniciativas por eles mesmos. Não dêem ao seu cão o cenário perfeito para ele errar! E lembrem-se: melhor uma pessoa chateada com você, do que uma má experiência que pode marcar seu cão para sempre.

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